sábado, 22 de agosto de 2020

Reflexões sobre o trotsquismo - O amor mal correspondido!

Por Wendell Setubal

A VELHA questão do amor não correspondido. Comigo já aconteceu. Mesmo aquelas pessoas de rara beleza nem sempre se dão bem, a gente lembra logo de Marilyn Monroe e sua vida trágica.
MAS AQUI falamos de política e o amor não correspondido a que me refiro é que Ele (o trotsquismo) está a fim, mas Ela (a classe trabalhadora) não quer. Apesar da disposição dos militantes, nunca houve um grande movimento trotsquista de massa.
SE O trotsquismo não chegou a ser bem-sucedido, pior foi o que aconteceu com Trotsky, um dos líderes da Revolução Russa de 1917. Em 21 de agosto de 1940, há 80 anos, Ramón Mercader, a mando de Stálin, assassinou Trotsky no México.
MAS COMO? Mais de 100 mil mortos no Brasil e falo de Trotsky? Bolsonaro vai de 32 a 37% de aprovação e menciono algo que ocorreu há 80 anos? Não dá nem pra perguntar Onde você estava?, que virou moda depois do 11 de Setembro. Onde você estava em agosto de 1940? Não tinha nascido, seria a resposta de quase todos.
A REVOLUÇÃO que Trotsky liderou com Lênin foi a primeira tentativa de pôr fim ao capitalismo. A Rússia tinha 90% de sua população no campo, o que levava o Partido Menchevique, rival no campo de esquerda do Partido Bolchevique de Lênin e Trotsky, a afirmar que era preciso primeiro desenvolver o capitalismo, visando criar as precondições para a revolução socialista. Para eles, a revolução teria etapas. Os bolcheviques já haviam assimilado a teoria da Revolução Permanente de Trotsky, antietapista (exceto a direita do partido, de Stálin e Kamenev), e em agosto de 1917, ao assumir a direção do principal Conselho de Trabalhadores (Sovietes), o de Petrogrado, discutiram se partiam para a insurreição ou esperavam que algum país de capitalismo maduro chegasse à revolução. Engenhosamente, criaram a teoria do Elo mais Fraco do Capitalismo (a Rússia, óbvio) e derrubaram o governo.
ISSO acontecia ao mesmo tempo que a Rússia estava na Primeira Guerra Mundial, precisando de um acordo de paz, e internamente enfrentava uma Guerra Civil. O Exército Vermelho, comandado por Trotsky, combatia o Exército Branco, da burguesia, dos camponeses ricos, apoiados pelas potências europeias. Um contexto por si só complicado.
NA PRIMEIRA eleição depois da Revolução, os bolcheviques foram derrotados e não reconheceram o resultado. Menos Parlamento, mais Sovietes. Quando o Soviete de Kronstadt exigiu democracia, mais poder aos Sovietes, foi duramente reprimido por Lênin e Trotsky.
COM A morte de Lênin, Stálin, que conhecia o partido de cima a baixo, derrotou Trotsky, expulsou-o do partido, e depois, do país.
RAMÓN Mercader foi condenado e cumpriu sua pena no México; ao sair, foi acolhido por Fidel Castro e viveu em Cuba.
A DERRUBADA do Muro de Berlim foi o começo do fim da burocracia do Leste Europeu e a desagregação da União Soviética trouxe a restauração do capitalismo para uma Rússia dominada por máfias políticas.
SERÁ que a razão estava com os mencheviques?
O FIM da burocracia soviética deixou o capitalismo sem adversários fortes, a utopia virou distopia e trouxe renovada a extrema-direita.
BOLSONARO é um de seus subprodutos.
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O Trotsquismo no Brasil
O Partido Comunista Brasileiro (PCB) foi fundado em 1922, com influência anarquista, trazida pelos operários europeus, principalmente italianos, que imigraram para São Paulo.
Quando regularizou os contatos com o PC soviético, este já estava dominado pela burocracia stalinista. O PCB mandou um de seus militantes, Mário Pedrosa, para fazer um curso na União Soviética de formação política. Mário foi e ao passar pela Alemanha soube da expulsão de Trotsky.
Desistiu da Rússia, voltou ao Brasil, juntou-se a militantes insatisfeitos com o autoritarismo da direção, além de divergências com a linha política, para formar em 1929 a Liga Comunista. Durante 10 anos foi a primeira geração do trotsquismo brasileiro.
A segunda geração começa em 1939, centrada em São Paulo, dirigida por Hermínio Sacchetta, que trabalhava como revisor em jornais paulistanos.
A terceira geração é de 1951 e predominam intelectuais: Boris Fausto, Rui Fausto (recém-falecido), Florestan Fernandes, Moniz Bandeira (que mais tarde fundaria a organização Política Operária, também conhecida como Polop) e Pagu, que foi casada com Oswald de Andrade.
Com a ida para a Polop ou a desistência da militância, no início dos anos 1960 o trotsquismo no Brasil foi hegemonizado pelo Partido Operário Revolucionário (POR), influenciado pelo argentino J. Posadas, com trabalho intenso em Pernambuco, reprimidos pelo Golpe Militar-Civil em 1964.
Trotsky conclamara aos revolucionários que criassem a IV Internacional, pois a III, organizada por Lênin, estava dominada pelo stalinismo. A IV teve várias cisões, que se refletiram no Brasil.
Os anos 1970 marcam a ressurreição do trotsquismo no país, com três experiências que ajudaram a construir o PT e a CUT. No Chile, exilados brasileiros se aproximaram do trotsquismo através do crítico de Artes Plásticas Mário Pedrosa, aquele de 1929. Fizeram um curso de Formação Política na Argentina e se ligaram à corrente de Nahuel Moreno. O curioso é que Moreno pediu a um brasileiro que desse o curso. Este brasileiro, quando voltou ao país, já se afastara do morenismo.
Aqueles que já podiam voltar foram para São Paulo e criaram a Liga Operária. Que virou Convergência Socialista. Que virou o atual PSTU.
Trotsquistas paulistanos, alguns gaúchos, e militantes que estavam no exterior se aproximaram das posições do francês Lambert, crítico de Mandel, e formaram uma organização que ficou mais conhecida pela corrente estudantil que criou, Liberdade e Luta, Libelu. Um dos que integraram a Organização Socialista Internacionalista (OSI) foi Paulo Skromov, que deu o curso aos fundadores da Liga, a pedido de Moreno. Mais tarde, ele foi presidente do Sindicato dos Coureiros de São Paulo.
O terceiro grupo criado nos anos 1970 foi a Democracia Socialista (DS), com militantes estudantis da corrente Centelha, de Minas Gerais, e gaúchos que dissolveram o POC para entrar na DS. Um deles chegou a ser prefeito em Porto Alegre, Raul Pont, que ainda está no PT.
Embora não tivessem a inserção da Convergência e da Libelu, a DS dirigia um jornal de esquerda, “Em Tempo”, com boa aceitação na classe média.
Em 2017, uma pesquisa mostrou que 30 organizações se reivindicavam trotsquistas no Brasil. Algumas estão no PT, outras no PSOL; há grupos que não participam do processo eleitoral. O PSTU participa.
Parte do trotsquismo brasileiro enfatiza a luta contra as opressões: movimento feminista, movimento antirracial, movimento contra a LGBTfobia etc.
Em comum, a Fé na Revolução e na classe operária. Esperando o seu Outubro.
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Esclarecimento: trata-se de um resumo. Faltam tempo e competência ao autor para esboçar uma história do trotsquismo no Brasil. (WS)
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Foto: Leon Trotsky, fundador do Exército Vermelho e da IV Internacional

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