por Prof. Josemar Carvalho
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Navio Negreiro |
Em 13 de maio de 1888, através da Lei
Imperial nº 3353 (com apenas dois parágrafos) foi sancionada a Lei Áurea, que
dava um “fim formal” à escravidão negra no Brasil.
Longe de representar a democracia
racial, a Lei assinada pela Princesa Isabel, em data comemorativa ao nascimento
de seu bisavô Dom João VI, não colocou o negro em situação de equidade social,
politica e econômica no país.
As marcas profundas do período escravocrata
ainda estão presentes. O racismo é parte constituinte da sociedade
brasileira. A construção e a formação histórica da sociedade brasileira é carregada
de estereótipos pautados na discriminação racial.
No Brasil, o racismo não é um
preconceito pontual contra um grupo minoritário que visa se estabelecer como
gueto. É contra a maioria da população. O capitalismo brasileiro se estruturou
tendo como base exploração/opressão racial. O rosto da classe trabalhadora no
Brasil é negra. Recebendo os piores salários e tendo as menores oportunidades.
Neste texto temos o objetivo de
dialogar brevemente sobre o papel da escravidão na constituição de nosso país,
a resistência histórica sobre ausência de politicas publicas para os negros
após a Lei Aurea, os pressupostos básicos para luta contra o racismo e
apresentar alguns programáticos esta mobilização.
Como simples brochura, este texto não
tem a intenção de encerrar o debate, mas sim de aproveitar a data para fazer
reflexões e apontar perspectivas necessárias sobre antirracista no nosso país.
A desumanização começa com sequestro na
África ...
Intelectuais racistas de várias matizes
tentam ignorar a desumanidade do processo escravocrata na América. Uns argumentam
que foi uma fase importante da história, que devemos relativizar o olhar. Outros
subestimam os processos de conflitos e superdimensionam negociações entre as partes.
Mas nenhum desses “racistas modernos” conseguiu
diminuir em seus discursos, o papel nefasto de um navio negreiro.
Após ser aprisionado na África, o negro
era “transportado” para as Américas, em embarcações que comparadas ao dos dias de hoje, seriam de
pequeno porte. Altas concentrações eram alojadas nestes navios que levavam
grupos humanos acorrentados em espaço inferior 4 pessoas por m2. Condições
de higiene não existiam. Doenças se proliferaram com facilidade. O direito a
alimentação e água era restrito. A previsão de morte dos escravos era 30%. O suicídio
era muito comum. O Banzo, doença caracterizada por uma tristeza profunda,
matava os nossos ancestrais.
Quando chegava nas regiões portuárias
brasileiras, com corpos semi-nus os negros eram vendidos como animais. Famílias
eram separadas, mulheres e crianças eram mais desvalorizados. Tratados como um
produto. Sem valor imaterial, sem nenhuma afetividade. Como simples coisa.
Mas as desuminidade não para aí ... A senzala
não tinha nenhuma condição de higiene e de humanidade, um depositário humano.
Negros acorrentados de línguas diferentes e muitas vezes de grupos rivais eram
posto no mesmo lugar. A mortalidade de “pretos recém chegados” era um fato de
alto relevância para fazendeiros da época.
O trabalho forçado nas lavouras,
canaviais e minas de extração era intenso, o que colocava a expectativa média
dos negros escravos inferior a 40 anos de idade. Trabalho forçado do nascer ao por
do sol.
O estupro da mulher negra era constante,
pelas condições de objetificação da sua vida, pela privação da sua individualidade
e pela seu papel tido como inferior na sua patriarcal-escravocrata. Era prática
comum a separação entre as mães e suas filhos. Pesquisas revelam que era grande
o número de abortos realizados por mulheres negras para impedir que seus filhos
não nascessem nas péssimas condições.
Onde tem poder, tem resistência ... A
luta negra no Brasil
A historiografia oficial e os romances abolicionistas
do final do século XIX, aliados a ações conscientes que visam a apagar a nossa memória,
contribuíram produziram no senso comum, a ideia de pouca resistência negra. Uma
falácia que iremos desconstruir nos próximos parágrafos.
A primeira ideia do senso comum é ideia
de que não houve participação negra nos eventos da história brasileira. Os soldados
da guerra do Paraguai, os trabalhadores que construíram várias cidades e
monumentos no período colonial, imperial e até republicano tinham cor, a negra.
A resistência negra não foi um ponto na
história brasileira, como a sociologia branca racista tenta nos passar.
Quilombos, comunidades de organização negra, existiram em todo o momento da
história brasileira. Trazendo valores e conhecimentos adquiridos na África e
aprimorados no Brasil. Para nosso mestre Clovis Moura, é preciso reler a
história do brasil sobre o prisma negro.
O Quilombo de Palmares, com suas
aldeias e cidades, não era um ponto desorganizado. Era um reino clandestino no
meio da selva na Serra de Barriga. Quilombo de Ambrósio e de Campo Grande
chegaram a organizar mais de 10.000 pessoas cada. Isso sem falar das mais de
1000 comunidades reconhecidas. A Revolta dos Males feita em Salvador em 1835,
feito por escravos muçulmanos, é refletida pela sua capacidade de organização.
Como dizia Foulcalt, “onde há poder tem
resistência”. A luta negra não é um fato a ser menosprezado. Apesar de muitas
lacunas na historiografia, é possível observar várias lutas ao longo dos
diversos séculos. Os quilombos brasileiros foram a maior exemplo desta
auto-organização.
A escravidão é um pilar histórico das
relações de trabalho no Brasil
Desde o período colonial, a mão-de-obra
negra foi a força de trabalho brasileira. Os primeiros negros chegaram no
Brasil entre 1532 e 1538, visando o cultivo dos produtos tropicais.
A opção pelo trabalho escravo negro
estava diretamente ligada ao trafico negreiro e necessidade da Corte europeia e
do Clero. A intensificação do trafico negreiro ocorreu no Século XVII. A
existência majoritária de escravidão negra em nosso país não apaga o uso do
trabalho dos índios em vários momentos da nossa história.
O Brasil foi o último país das Américas
a abolir a escravidão. O Império Brasileiro (1822-1888), marcado pelas
pactuações entre os monarcas e elites escravocratas da época, “segurou” ao
máximo o processo de libertação dos escravos. A unicidade do território, a
preservação da monarquia e manutenção da escravidão, foi um tripé construído
que forneceu bases para existência do Império Brasileiro.
A unicidade do território fez com as
terras do antigo império português se constituíssem num único país,
diferente da América Espanhola, que se fracionou em vários países.
A preservação da monarquia, garantiu de
forma “sui generis” a linha de continuidade da linhagem portuguesa a frente do
“novo Imperio” brasileiro. Contradições são visíveis, como que um monarca português
deu grito do Ipiranga contra o seu próprio pai e na sequencia foi substitui-lo.
Uma das Contradições que a história tradicional não irá apontar.
A escravidão foi um pilar econômico das
relações de poder da época. Isto explica o fato de que da abolição brasileira
ser a última entre os países independentes da América. O seu atraso foi um
produto de um conjunto de pactos entre as elites regionais da época, que ao
longo dos anos foram negociando saídas transicionais diante pressão
internacional inglesa e do “medo” de revolta negra como teve no Haiti.
A lei Aurea não apresentou politicas de
integração do negro à sociedade
O contexto conjuntural de 130 anos
atrás era marcado pela falta de representatividade política do Império e pela
mudança gradual nas relações de trabalho servil no Brasil. Estudos apontam que
menos de 10% da mão de obra do ano da abolição era escrava. Processos
anteriores (Lei de Terras -1850; Lei do Ventre Livre-1871; Lei do Sexagenários
– 1885, entre outras) já sinalizavam para o fim da escravidão.
Longe de representar a “democracia
racial”, a Lei assinada pela Princesa Isabel, em data comemorativa ao nascimento
de seu bisavô Dom João VI, não colocou o negro em situação de equidade social,
politica e econômica no país. A lei Áurea não veio combinada com nenhuma
politica efetiva de inserção do negro na sociedade brasileira. Não teve reforma
agraria, nem incentivo financeiro e muito menos reforma urbana. O negro foi
posto a margem da sociedade e nela sobrevive ...
Por lado a elite branca escravocrata se
transformou nos grandes proprietários de terras. A Lei de Terras de 1850
(colocou o valor de compra como fator determinante para propriedade) colaborou
decisivamente para consolidação das grandes propriedades já existentes.
Transformando-as nos latifúndios do nosso tempo.
Por outro lado, os negros ao longo dos
seus 100 primeiros anos nunca tiveram uma politica de afirmativa. Do ponto de
vista geral, a politica de cotas nas universidades é primeira politica
afirmativa de grande porte para o povo negro. Muito tempo se passou e nada
foi feito!
As Condições do negro no Brasil de hoje
O Brasil tem uma grande história do
povo negro no planeta. Pois possui a maior negra fora da África. Dados já
revelam que a maioria da população do nosso país é negra. Reparar o passado escravocrata
é premissa básica para iniciar qualquer debate sério sobre questão racial negra.
A Lei Áurea pautou o fim formal da
escravidão, mas não trouxe nenhuma política efetiva para reparação do povo.
Fomos abandonados, sem moradia dignas, sem condições básicas de sobrevivência.
A escola pública brasileira, local de
estudo dos negros, é sucateada. A sua estrutura interna ainda é pouco atraente
para os nossos filhos e com poucos recursos. Os profissionais de educação são
desvalorizados propositalmente.
Os serviços básicos de saúde pública nas
periferias são precários. As filas de espera para operações e tratamentos
revelam que nosso país, a saúde de qualidade não deve ser para maioria da
população.
Dados do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos
Socioeconômicos) mostram que os negros recebem 40% a menos do que os
não-negros. O desemprego, os baixos salários e as péssimas condições de formais
de trabalho são realidade para o povo negro. Situação que tende a piorar com a
reforma trabalhista e com o PEC de gastos (que congela investimentos públicos nos
próximos 20 anos).
Nosso país tem a segunda maior
população carcerária do planeta. É na sua maioria composta por negros e periféricos.
O Estado Brasileiro não tem nenhuma perspectiva de ressocialização. Pelo
contrário fecham escolas, em momentos de crise de segurança pública.
A morte pela violência é comum nas
periferias. O genocídio da juventude negra é comprovada em números. E para piorar
quando um dos nossos levanta sua voz, é perseguido, torturado e assassinado. O
exemplo mais recente é o assassinato da companheira Marielle Franco, onde
clamamos por justiça.
Algumas premissas iniciais para o
trabalho da luta racial
Como vimos, o racismo é parte
estruturante da sociedade capitalista brasileira. Entender este pressuposto
é uma premissa fundamental para lutarmos por igualdade no nosso tempo.
Não haverá uma verdadeira inserção do
povo negro enquanto existir capitalismo e suas formas de exploração. Os negros ganham os menores salários. Quanto mais precarizada a classe
trabalhadora, mais negra ela será.
Um programa socialista para o Brasil
deve incorporar as pautas e expressar a luta povo preto em nosso país. Isto não quer dizer que não podemos lutar medidas transitórias e
parciais como parte do fortalecimento da nossa luta.
Outro aspecto fundamental que devemos
levar em consideração é que a população negra no Brasil é maioria. Dados
do IBGE apontam que 51% da população do nosso pais já se autodeclara negra,
diferente dos anos anteriores onde a “ideologia do embranquecimento” mascarava
os dados.
Compreender isto é fundamental para
avançarmos na luta politica. Não somos um gueto, somos a maioria. Queremos
a nossa reparação histórica e social. Não queremos apenas nos inserir no
mercado de trabalho. Queremos ser dirigentes. Queremos cursar faculdade. Ser
médico. Ser professor. Ser advogado. Ser Juiz. Queremos ter a nossa
oportunidade.
Uma reflexão também necessária, é de
que diferente da construção histórica dos Estados Unidos e da África do Sul,
onde os espaços foram abertamente segregados, no Brasil, a segregação racista
se apresentou de maneira diferente. Como o processo não foi
“institucionalizado”, a segregação espacial existente ficou “velada”. Os muros
sociais e raciais são invisíveis aos olhos do senso comum.
A compreensão deste pressuposto nos
coloca numa luta aberta contra a concepção liberal de meritocracia. Combater
a meritocracia é combater a exclusão. Discursos meritocráticos não levam em
consideração as condições sociais dos indivíduos em questão. Como comparar um
jovem negro que mora no Morro do Feijão no bairro do Paraíso em São Gonçalo,
que estuda numa escola pública altamente sucateada, que trabalha oito horas por
dia, com outro filho de um empresário rico da Zona Sul do Rio. O discurso
meritocrático não leva em consideração tais diferenças. Igualam coisas
diferentes para manter a ordem social no mesmo lugar.
Um revolucionário deve observar para
além da aparência, deve ir na essência dos fenômenos e nas raiz dos problemas.
Para isso é fundamental, compreender que a luta pela libertação do povo negro
passa por uma luta politica por direitos sociais quer tenha por estratégia a
luta global contra o sistema capitalista.
Construir uma pauta de lutas para o povo
negro, pobre e trabalhador neste período é fundamental!
Nesta parte final deste artigo, temos o
objetivo dialogar sobre propostas iniciais para mobilização da população negra
brasileira, que como já afirmamos é maioria da classe trabalhadora do nosso
país.
Entendemos tais pontos como parte de
programa proletário transitório de luta socialista em que a população negra se
mobiliza por propostas imediatas que visam acumular/resistir diante de nossos
objetivos históricos.
Como afirmamos no ponto anterior, a
luta de classes no Brasil passa por entender a a transversalidade da luta
racial no contexto histórico de nacional territorialidade nacional.
Diante disso, as listaremos algumas
propostas iniciais de mobilização e de luta na sociedade:
1)
Reparação para as comunidades
quilombolas, indígenas, ribeirinhas, caboclas, seringueiras e demais povos
oprimidos!
2)
Implementação real e efetiva das leis
10.639/2003 e 11.645/2008 nas escolas,
que apontam para o estudos sobre a questão negra no Brasil e história africana;
3)
Defesa
das cotas raciais nas universidades públicas brasileiras e nos serviços
públicos!
4)
Emprego sem
discriminação racial ou de gênero
5)
Lutar contra as reformas trabalhista , da
previdência e a PEC de gastos que retira direitos da classe trabalhadora
brasileira!
6)
Denunciar o genocídio do povo negro e
pobre das comunidades e das favelas;
7)
Prisão dos assassinos de Marielle
Franco e Anderson. Queremos justiça!
8)
Liberdade para Rafael Braga e para
todos os injustiçados pela justiça racista!
9)
Liberdade de culto – Contra toda forma
de intolerância religiosa;
10) Combater o mito da democracia racial!
11) Saneamento básico e programa reforma urbana democrática;
12) Universalização dos serviços públicos de saúde, educação, transporte e
assistência social;
13) Desmilitarização das policiais militares!
14) Enaltecer a luta e a identidade do povo negro na construção brasileira,
nenhuma criminalização a nossa cultura!
15) Contra as diversas formas de violência contra as mulheres e contra
hipersexualização de nossos corpos!
16) Democracia real com participação popular!
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Josemar Carvalho, 42 anos, professor
universitário e da rede pública de ensino. Coordenador e Educador Popular da
Rede Emancipa. Presidente do Diretório Municipal do PSOL de São Gonçalo- RJ.