por Marcio Ornelas
As jornadas de junho e as eleições
As Jornadas de Junho
foi um grandioso movimento de massas que ocorreu no Brasil inteiro em 2013.
Elas mobilizaram milhões de pessoas e colocaram nas cordas o conforto da elite
política que governa o país. Um movimento essencialmente urbano, que começa com
o desgaste gerado pelo aumento tarifário dos transportes públicos, mas que se
desdobra no questionamento aos péssimos serviços de educação e saúde públicas,
assim como no aumento do custo e da insalubridade da vida nas grandes cidades.
Ainda que sejam uma expressão do voluntarismo da insatisfação e da revolta
acumulada, as jornadas de junho resgataram o debate sobre o direito à cidade,
tal como evidenciaram as consequências mais nocivas da produção capitalista do
espaço.
Nesse ponto é
necessário fazer uma distinção importante. O direito à cidade não é
simplesmente a luta pelo acesso aos equipamentos urbanos, advindos dessa
produção capitalista do espaço. Na concepção lefebvreviana (e também marxista),
o direito à cidade é o direito à produção do espaço. É pensar a cidade
coletivamente e inverter essa lógica onde poucos decidem os rumos do urbano, é
a inclusão dos excluídos em todas as etapas. Portanto, é muito significativo
para a conjuntura que tenhamos milhões de pessoas tomando as ruas, exigindo
maior participação na política e também denunciando as mazelas da vida urbana.
Ainda que toda essa onda de indignação não tenha se desdobrado numa alternativa
política que se proponha a disputar o poder e efetivar as mudanças cobradas,
devemos encarar as jornadas de junho como o início promissor de um processo que
já culmina na elevação do nível de consciência da população.
Mas o resultado dessas
eleições colocou um questionamento pertinente: tudo continuou como estava,
afinal, teve mesmo a tão falada elevação do nível de consciência da população?
É preciso estabelecer alguns parâmetros. O primeiro deles é que as eleições
sempre foram e vão continuar sendo uma representação distorcida da realidade.
Alguns elementos como a cobertura midiática desigual, a desproporção do tempo
nas propagandas de TV e a influência do poder econômico, favorecem os grandes
(e velhos) partidos e prejudicam fundamentalmente os partidos de esquerda - que
ainda se agarram à princípios e programas para tocarem suas campanhas. Diante
de tantos fatores que deixam as eleições “viciadas” e influenciam abruptamente
as informações que chegam até a população, não havia qualquer garantia que toda
a indignação manifestada em junho de 2013, fosse desaguar num afluente à
esquerda. O que nos leva ao ponto central: o sentimento por mudanças
potencializado nas jornadas de junho, ainda que de forma confusa, apareceu com
muita força nessas eleições. Basta lembrar a ascensão meteórica de Marina e
posteriormente a de Aécio, sendo que nenhuma dessas grandes variações de
intenção de voto representou um crescimento da candidata Dilma. Em outras
palavras, existia um amplo setor da sociedade que estava buscando a alternativa
mais viável para derrotar o governo do PT.
E aí não podemos
absorver de forma ingênua o discurso com o qual o PT atacou os tucanos e
consequentemente ganhou a eleição. Existiu nessas eleições um sentimento
anti-petista e anti-governista muito forte. De fato, uma parte dele é nutrido por
uma direita extremamente conservadora e raivosa. Mas precisamos lembrar que
parte desse sentimento foi forjado no calor das lutas sociais, na dinâmica da
luta de classes e dos movimentos de massas, no clamor diante dos escândalos de
corrupção. Nutrido por pessoas comuns que perderam a esperança nesse governo. De
forma extremamente habilidosa, o PT enveredou por uma retórica populista que
consistia numa simplificação grosseira da realidade. Um pouco da essência desse
artifício nas palavras de LACLAU, são relevantes para o debate:
O
populismo “simplifica” o espaço político, substituindo um conjunto complexo de
diferenças e determinações por uma dicotomia rígida, cujos dois polos são
necessariamente imprecisos. (...) através de dicotomias do tipo povo versus oligarquia, massas trabalhadoras versus exploradores e assim por diante.
Como podemos observar, existe nessas dicotomias, assim como naquelas que
constituem qualquer fronteira político-ideológica, uma simplificação do espaço
político (todas as singularidades tendem a agrupar-se em torno dos polos da
dicotomia), e os termos que designam ambos os polos têm de ser necessariamente
imprecisos, caso contrário não cobririam todas as particularidades que, segundo
se supõe, eles devem reagrupar.
No cenário pintado
cuidadosamente pelo PT, toda complexidade que envolve o tecido político
desaparece, para dar lugar a uma objetificação demasiadamente rasa da realidade
que se estrutura na estipulação de dois polos extremos. De um lado temos Dilma
Rousseff, defensora dos pobres e dos excluídos, muito embora tenha na sua base
grande apoio de setores da burguesia e do fundamentalismo religioso. Do outro
lado temos Aécio Neves, representante das elites e dos setores mais reacionários,
ainda que evoque de maneira errática o desejo por mudanças
de parcela do povo.
Fortalecer
uma alternativa de esquerda coerente
Nem só de distorções
foram feitas as eleições em 2014. A expressiva votação de Luciana Genro, a
grande aceitação que sua candidatura teve entre setores progressivos da
sociedade, tais como a juventude e os movimentos sociais, revela um crescimento
qualitativo do PSOL. Isso é corroborado pelo crescimento da bancada federal e
das bancadas estaduais. A eleição sempre é um terreno difícil para os partidos
de esquerda, seria difícil imaginar um desempenho tão satisfatório se o país
não tivesse passado pelas jornadas de junho e isso não significasse um aumento
do nível de consciência da população.
Mas é preciso
fortalecer ainda mais essa alternativa de esquerda, para que o PSOL seja um postulante
real na disputa pelo poder. Criar uma terceira via que seja capaz de quebrar o
cenário dicotômico, podendo aglutinar os indignados que não aceitam mais a
falência do governo petista e recorrem a uma “alternativa viável” para derrotar
o PT, assim como os setores progressistas que ainda defendem o PT diante da
ameaça de um novo governo tucano. Apesar de todas as flutuações do cenário
eleitoral, esse ciclo vicioso se repete desde as eleições em que Lula disputava
a reeleição.
Por fim, é necessário
destruir o último mito alardeado por aqueles que facilmente aceitam o mundo de
ilusões petistas. Uma eventual derrota do PT para o PSDB numa disputa
presidencial, não significará necessariamente a decomposição e destruição do
partido dos trabalhadores, muito menos o fim das possibilidades da esquerda. O PSDB
perdeu quatro eleições seguidas para o PT, o que não significou o seu esfacelamento
simplesmente por que o PSDB continuou sendo a alternativa mais confiável para a
burguesia, sendo um instrumento ainda útil para os interesses da classe
dominante. O que realmente tem força para destruir o PT é a possibilidade de
surgir uma alternativa de esquerda coerente, que seja a superação histórica do
partido dos trabalhadores e que tenha a capacidade de se colocar para a classe
como a verdadeira ferramenta que pode transformar a sua realidade.
Cabe ainda destacar que
o governo do PT já totalmente adaptado ao regime burguês, com sucessivas
traições de classe e política de cooptação dos movimentos sociais, representou
um veneno muito mais nocivo para o avanço da consciência da classe
trabalhadora, do que qualquer outro governo na história. Não à toa, num período
onde a luta de classes se acirra, o sentimento antipetista cresce vorazmente.
Não ter uma alternativa que tenha força para disputar os rumos dessa indignação
é a nossa grande debilidade.
Seja como for, temos de
estar preparados para dizer que PT e PSDB representam a mesma velha política,
variações muito pequenas de um mesmo projeto e responde à mesma classe social.
Nenhum dos dois dará cabo das transformações que esse país precisa. A tarefa
dos setores conseqüentes e progressistas da sociedade é trabalhar para dar fim
a esse ciclo vicioso de velhas saídas, dar fim a essa dicotomia claustrofóbica
que joga um véu por cima da realidade. Destruir essa ordem estabelecida e não
emprestar suas forças para fortalecê-la!
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Marcio Ornelas, 25 anos, professor de geografia. Militante do coletivo Juntos! e vice-presidente do PSOL São Gonçalo/RJ.
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