quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Um Novo Militarismo?

por Wendell Setubal

Em fins dos anos 60, com o endurecimento da ditadura militar, através do AI5, parte da esquerda resolveu combater o regime pela luta armada. As células de militantes passavam a se chamar CTA, ou seja, Comando Tático Armado. Em vez de ser um bom propagandista ou um bom agitador, o militante ou a militante priorizava aprender a atirar, fabricar bombas etc.

Dialogar com as massas, lutar suas lutas e, a partir daí, buscar lutas maiores? Isso era coisa de “reformistas”, do Partidão (PCB) e das organizações “massistas”, como eram chamadas pelos militaristas as organizações que não aderiam à luta armada, como, além do PCB, o PcdoB, a Ação Popular (AP) e a Política Operária (PO). Dessas, só o PcdoB sucumbiu ao apelo das armas com a desastrosa guerrilha do Araguaia.

Por que volto sumariamente ao passado? Porque, guardadas as proporções, o radicalismo ultraesquerdista volta sobre a pele da ação direta de grupos que agem mascarados com a tática chamada Black Bloc. (No Brasil, há os legítimos Blacks, de preto, e os “genéricos” mascarados. Pra mídia, é tudo uma coisa só.) Alguém votou que os Black Blocs tinham de fazer a segurança dos atos? Nem eu. Alguém deliberou que no fim da passeata tem que se quebrar uma agência bancária ou de automóveis, como ocorreu em São Paulo? Só eles deliberaram isso e nos impingem goela abaixo.

Tenho 63 anos e ainda posso fazer política, mas quebrar banco não é para a terceira idade. E aí, vou torcer, como se fosse um Fla X Flu, assistindo ao confronto entre manifestantes e PM?

No Grito dos Excluídos, a passeata fluía quando os Black Blocs, os autênticos, todos de preto, invadiram o palanque vazio da parada militar. Pra quê? Provocação infantiloide, com pronta reação da PM, jogando bombas que cegaram momentaneamente a mim e ao Jorge, que estávamos na passeata. Quase meia hora depois, a passeata se recompôs e voltamos a encontrar os Blocs na Cinelândia, onde se encontraram com os Blocs da Zona Sul, assim vieram cantando, e acamparam na Câmara dos Vereadores saindo depois para uma noite de quebra-quebra no bairro de Laranjeiras, onde a esquerda sempre tem bom resultado eleitoral (perdão pelo palavrão, Blocs que porventura leiam este texto).

O ato em São Paulo foi massivo, protesto contra os gastos da Copa do Mundo, mas no final serviu pra PM fascista de Alkmin efetuar mais de 100 prisões. Qual o ganho político da porradaria?

Ontem, no Rio, ao chegar à Central houve desobediência civil, pulando catraca. Mas qual o sentido de se levar rojão pra atirar na PM, errando o alvo e atingindo um cinegrafista? O rolezinho que embevece a classe média de esquerda joga a classe média baixa, que TRABALHA nos shoppings, no colo da burguesia; agora dá-se chance pro Cabral aparecer com expressão compungida, dizendo que vai apurar o “bárbaro” ato. Até quando a ESQUERDA SOCIALISTA vai ficar refém dos grupúsculos de vanguarda autoproclamada? Vêm aí grandes mobilizações contra os gastos com a Copa e cada vez que houver um confronto tolo como esses de São Paulo e Rio, mais a mídia, a burguesia e o PT vão acirrar o nacionalismo barato para conquistar as massas, contrapondo-o ao vandalismo.

Em nenhum momento defendo que, quando a PM começa o confronto, não se revide. Também não defendo aquilo que o PcdoB fez no Rio, ano passado, entregando um Bloc para a polícia. Não se trata disso, a preocupação é que alguns companheiros, por romantismo revolucionário, enxergam charme nas ações dos Blocs e acham que é uma questão menor. Não é. Com essa ação militarizada, hoje um rojão, amanhã... afastam as massas porque elas se recusam a entrar em uma ação que vai acabar em violência. O metrô de São Paulo e o trem no Rio mostram que o povo está aprendendo a perder o medo e protesta quando o serviço emperra. Aí a violência, se ocorrer, é uma contingência. Não pode ser sempre predeterminada por quem não consulta ninguém e age à revelia das massas, capitulando à pressão de classe das camadas médias que querem que a Revolução surja pronta e acabada.

Autodefesa das massas não é isso e para que ocorra é preciso que a própria massa sobre isso delibere. Não é o que está acontecendo.

Por fim, à luz do que ocorreu no Rio, fiquemos atentos ao nosso ato do dia 20 caso a temperatura social aumente tanto quanto o calor deste verão. Perdão pelo texto longo, mas, a meu ver, necessário.

------------------------------------------------------------------------------------------------------------
Wendell Setubal é Vice-presidente do PSOL São Gonçalo

Um comentário:

  1. Eu acho que o título apropriado para o artigo seria " Deus e o Black Bloc na terra do sol". Não se pode cair no maniqueísmo de que os radicais violentos representam o grande mal do movimento iniciado em junho de 2013 e acreditar que apenas as ruas esvaziaram por causa deles. Eles tem parcela de culpa, mas o problema é muito maior. Desde de 1992 que o povo não fazia um movimento de massa como esse, porém é normal que diminua independente da ação violenta. Agora, os setores radicalizados são anti-democráticos e se recusam ao diálogo com os outros setores, impedindo assim a organização estratégica nos movimentos de rua. Enfim, a pedra foi lançada e governo está se valendo disso para realizar uma lei anti-terror. Marchamos contra o governo ou contra os black blocs?

    ResponderExcluir