por Marcio Ornelas
Há certas situações que são absolutamente inconcebíveis na sociedade em que vivemos. Proponha-se ao exercício de imaginar a seguinte cena: um homem branco, se aproxima do portão de sua casa e abre a mochila para procurar suas chaves. A atitude gera suspeição no vizinho, que deduz tratar-se de um bandido. Com isso efetua 3 disparos com uma pistola e mata o suspeito. Conseguem imaginar tal cena acontecendo com um homem branco?
Difícil imaginar. Pois o que gera a suspeição não é o gesto de abrir uma mochila, andar mais lentamente ou apressadamente. A suspeição é ao fim e ao cabo uma questão racial, tão dramática e profunda no nosso mais, que até mesmo o ato mais severo possível que é o de retirar uma vida, vira uma questão corriqueira e até mesmo justificável.
Nas exatas circunstancias descritas acima, morreu Durval Teófilo Filho. Homem negro, trabalhador, pai de família e morador de São Gonçalo. Durval trocou uma comunidade por uma residência num condomínio, almejando justamente maior segurança para si e para sua família. Mas a violência é uma perseguidora implacável nessa sociedade para qualquer pessoa da raça de Durval. Durval não poderia imaginar que não há condomínio, ou bairro, ou cidade, ou estado, que te garanta proteção contra o racismo no nosso país. Nem mesmo posição social.
Isso por que o racismo é um elemento tão fundamentalmente estruturante do capitalismo brasileiro, usado por centenas de anos como elemento de diferenciação social, dolorosamente construído em somatórias vergonhosas de vidas negras, num rastro de violência que se aprofunda até hoje e segue se ressignificando. Cada vez com um discurso e uma simbologia diferente. O capitalismo brasileiro sem racismo não existiria e não seria essa máquina brilhante de exploração.
Em nome do PSOL São Gonçalo, presto toda minha solidariedade aos familiares e amigos da vítima, nesse momento de indignante dor. Mas prestamos também o nosso empenho e compromisso na luta por justiça. Para que não varram para baixo do tapete as reais motivações desse crime: o racismo.
Marcio Ornelas, 32 anos, professor de geografia. Presidente do PSOL São Gonçalo e coordenador da Rede Emancipa de Educação Popular.