Por Wendell Setubal
EU tinha 16 anos. Março de 1968. A Polícia Militar reprimiu uma passeata que saiu do Calabouço até a Cinelândia, e um tiro matou Edson Luis de Lima Souto, um dos comensais do Calabouço, restaurante que servia refeições para estudantes carentes, entre o Museu de Arte Moderna (MAM) e o Aeroporto Santos Dumont, final do Aterro. Os estudantes reivindicavam melhorias no restaurante. A morte do secundarista trouxe para as ruas o Movimento Estudantil.
EU assistia à Discoteca do Chacrinha, um dos programas de maior audiência da Globo. Abelardo Barbosa, o Chacrinha, anunciou um concurso de redação para estudantes de segundo grau. No dia seguinte, me inscrevi e na data marcada encontrei uma menina da Ação Popular (AP), organização de esquerda que dirigia a UNE e a UBES.
ELA também se inscrevera e me mostrou um parágrafo que seria a chave de ouro da redação, algo do tipo “as balas não nos calarão”. Perguntei se o trecho serviria, pois o tema da redação seria passado minutos antes do início. Ela disse que, independentemente do tema, aquele trecho bombástico teria de fechar a redação.
O TEMA foi Projeto Rondon, ideia da Ditadura de levar futuros médicos para o interior, recebendo ajuda de custo, com casa, comida e passagens fornecidas pelo governo; um dos patrocinadores era a Globo. Diante disso, como tocar no assunto? Fiz o melhor que pude, criticando de leve, e sorri pensando na menina da AP.
SAÍMOS da sala fria, com o ar ligado no máximo, para um forno, o auditório, com Chacrinha fantasiado de noiva (!), o público (em geral, meninas de escolas convidadas) gritando e Jerry Adriani cantando. Quando começou a leitura, vi que não era o meu texto. Até Deus foi citado na redação vencedora; cumprimentei o vencedor e, ao sair, Chacrinha perguntava ao público: O mandarim manda ou não manda?
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TENHO 69 anos em 2020: Bolsonaro manda ou não manda?
QUANDO faz as vezes de capitão do mato do grande capital, sim. Do contrário, nem sempre.
O MANDARIM MANDA - Bolsonaro condicionou o dinheiro dado a estados e municípios para enfrentar a pandemia ao congelamento do salário dos funcionários públicos federais, estaduais e municipais. O plano de Paulo Guedes é não abrir concurso público e, à medida que os servidores forem se aposentando, contratar terceirizados, com salários menores, precarizados, até extinguir a categoria. Além de economizar para manter o superávit primário, manda um sinal para a área privada: nada de aumento. Ao manter alta a taxa de lucro do capitalista, este faz vista grossa aos deslizes governamentais porventura existentes.
Só que Bolsonaro não esperava o veto do Senado, onde foi derrotado. Toda a mídia mostrou indignação com os senadores. Iria para o ralo a Responsabilidade Fiscal! Um crime contra o Brasil, afirmou Guedes. Rodrigo Maia juntou-se ao Centrão e a Câmara restabeleceu o congelamento dos salários, inclusive do pessoal da Saúde, “nossos heróis na batalha contra o vírus".
O MANDARIM NÃO MANDA - O medíocre ministro da Justiça, nem sequer guardei seu nome, atendendo ao presidente, pediu que fizessem um dossiê de antifascistas na administração pública e em universidades federais. Nunca foi crime ser antifascista, a não ser para bolsonaristas e olavistas. Para estes, ser antifascista é coisa de esquerdopata. Antifascistas, pensam os bolsonaristas, devem ler Lacan, aquele francês que escreve em código, que disse que a relação sexual não existe – pelamordedeus, que que é isso?, se angustiam os amigos do Bozo.
Não há, por ora, consenso na burguesia. Resultado: o STF proibiu o dossiê, mas dizem que a CIA possui uma cópia, dada por Eduardo Bolsonaro.
À GUISA DE CONCLUSÃO
HÁ dois anos, a esquerda brasileira sofreu uma derrota histórica: além da vitória da extrema-direita, saímos desmoralizados porque a promiscuidade do PT com as empreiteiras respingou em todos nós. Fake News, pautas conservadoras, como aborto, drogas, homofobia, tudo foi usado para desmoralizar a esquerda. Sem contar com o fogo amigo, a massa de ego de alguns, além do blá-blá-blá sobre O Empoderamento, O Lugar De Fala e outras pautas da pós-modernidade. Ou despautério.
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