Chico Alencar
Originalmente publicado no Blog do Noblat
Volta e meia vem gente reclamar de que não dá mais para olhar o Brasil na base do “nós contra eles”. Só que essa crítica não considera a desigualdade de oportunidades em uma sociedade de classes como a nossa, com ínfima mobilidade social.
Não há também a percepção de que o comportamento de muitos agentes públicos que repudiam como “artificial” esse conflito contribui para… aprofundá-lo.
O Brasil tem 13 milhões de desempregados, 3 milhões retornando à miséria e 83% dos empregados formais recebendo até três salários mínimos. Acrescente-se a isso a taxa de homicídios de jovens até 29 anos, que aumentou 17,2% entre 2005 e 2015, sendo 71% das vítimas negros (fonte: Atlas da Violência).
Por trás das estatísticas, há pessoas sofrendo e morrendo: uma tragédia social no Brasil profundo, das margens. Brasil excluído e esquecido, anônimo.
Em boa parte das elites, a insensibilidade. Cito exemplos, alguns quase que de coluna social: face a essa realidade, é razoável uma farta comitiva oficial se hospedar em hotéis de altíssimo luxo, quando de viagens ao exterior?
É aceitável ter tantos membros dos Três Poderes da República recebendo, a cada mês, quatro ou cinco vezes o teto constitucional?
É compreensível destacados membros do Legislativo gastarem mais de mil reais em uma gravata de grife ou R$ 350 para aparar os bigodes?
Dirão, com razão, que alguns desses episódios são menores, meros hábitos aristocráticos possibilitados por riqueza familiar ou direitos adquiridos por mérito.
Mas esses procedimentos (ou emolumentos) sinalizam o abismo entre dois mundos, ainda mais quando praticados por agentes públicos: “nós” x “eles”. Guardam mesmo certa relação com os escandalosos R$ 51 milhões de Geddel Vieira Lima, ex-articulador político de FHC, ex-ministro de Lula, ex-diretor jurídico da Caixa Econômica Federal de Dilma, ex-homem-forte do presidente postiço Temer… E com a ascensão do império JBS, proteinado por propinas.
Nesse mundo se esbanja o que falta para as políticas públicas para as maiorias.
Tudo isso se inscreve na nossa cultura de casta, de elitismo patrimonialista, de histórica distância entre os que governam e os que são governados.
Nos palácios do poder, o “costume” é olhar para o próprio espelho, e não para a praça, para a sociedade, razão e sentido da função pública.
Para além de todas as reformas substantivas tão necessárias quanto distantes da agenda atual, é preciso também uma mudança radical de postura de quem está ocupando ou busca ocupar cargos no Estado Brasileiro. Sob pena de cada vez mais os governados não se reconhecerem nos governantes e, assim, os repudirarem.
Chico Alencar é professor de História (UFRJ), escritor e deputado federal (PSOL/RJ).
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